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O MISTÉRIO
DAS MEIAS

Um garoto escovava os dentes para dormir, o relógio marcava 00h55. A casa estava um silêncio lúgubre, escura e fria. Aquela madrugada beirava os 8 graus. Ele esfregava os dentes com força e num dado momento olhou de relance para a janela do banheiro, a lua brilhava lá fora como um imenso diamante arredondado. Ouviu um ruivo de repente. Sentiu leve frio na barriga e apressou sua tarefa para voar para seu quarto. Quando já estava debaixo das cobertas, lembrou-se de seu celular – seu precioso celular – que esquecera justamente no banheiro, e jamais podia dormir sem tê-lo ali para abraça-lo enquanto suas séries rodavam. Sem pestanejar, pulou da cama e correu para o breu do banheiro. Sua situação estava delicada, não havia energia, somente a luz lunar. Não era necessariamente o lugar que orou a Deus para estar naquele horário.

Era 01h00 quando o garoto estava no banheiro apanhando seu filho inseparável. Novamente, sem que fosse proposital, jogou os olhos para a janela do banheiro e um fato curioso surgiu: dez pares de meias pretas estavam ali muito bem organizadas e dobradas. Ele arregalou os olhos, cinco minutos antes ali não havia nada senão a umidade por causa do banho da última pessoa da família, além de uma bucha vegetal de banho. “Que meias são essas?”, ele se perguntou, paralisado.

A primeira coisa que fez na manhã seguinte foi ver se as meias ainda estavam na janela. Teve a decepção de o banheiro estar ocupado por sua mãe, Meireles. Cogitou bater na porta, mas desistiu. Partiu para o café da manhã com sua família. Todos já estavam postos à mesa: seu pai Asnildo, suas irmãs Diçoma e Adaslia, e seu irmão Amalado. O garoto chegou espantado, perguntando:

– Gente! Gente! Algum de vocês acordou de 00h55 para 01h00 da manhã?

Todos o fitaram no mesmo instante.

– Ham? – disseram em uníssono.

– É isso que perguntei! Vocês acordaram de 00h55 para 01h00 da manhã?

– Eu não!

– Nem eu!

– Eu muito menos!

– Tô fora dessa parada!

Quando Venhambi ouviu todos negando, seu coração bateu mais forte. Sua mãe chegou por trás.

– Oi filho, bom dia.

– Mãe – ele a fitou, assustado –, a senhora acordou essa noite de 00h55 para 1h00 da manhã?

– Ham? Oi?

– Você entendeu. Pode responder?

– Eu... não. Mas por que a pergunta?

Ao ouvir a resposta dela, Venhambi parecia um cadáver ressuscitado. Sua pele estava branca e gelada como a neve. Ele revirou os olhos. Estava cambaleando, parecia que ia desmaiar.

– Venhambi? Filho? O que há contigo? Fala comigo! – Meireles o chacoalhava.

Ele voltou e disse:

– Meu Deus! Não pode ser!

– Não pode ser o que, menino? Acordou com a macaca hoje?

Mas ele já tinha sumido dali. Sua família se entreolhou, sem entender.

 

Venhambi estava prestes a entrar no banheiro para conferir se elas ainda estavam lá. Entrou, mirou os olhos na janela. Surpresa! Onze pares de meias organizadas e dobradas. A décima primeira estava um pouco mais afastada das demais.

– Céus! – E caiu desmaiado.

Toda sua família ouviu o barulho da queda e correu para o banheiro. Encontraram o garoto estirado no chão, pálido.

– Santa Marta Dolorosa! Meu filho! – Meireles abaixou-se para o acudir.

Adaslia viu na janela os onze pares de meias organizadas e dobradas.

– Gente, de quem são essas meias?

– Eu não sei.

– Nem eu.

– Eu muito menos.

– Eu nunca vi esse troço.

De repente, Venhambi acordou e gaguejou:

– Mã... mãe, ontem de madruga...ada eu acordei e vi... vi essas meias do... do.... dobradinhas na ja... janela.

– Ah! Então é por isso que nos perguntou se tínhamos acordado de madrugada?

– Sim, pai. Agora só falta a gente descobrir de quem é essas meias.

Na manhã seguinte, Venhambi se empenhava em limpar o quintal dos fundos. Enquanto varria o chão, chegou próximo aos blocos e... surpresa! Ele contou uma por uma, quinze pares de meias pretas organizadas e dobradas! Ele largou automaticamente a vassoura no chão e foi chamar sua família para ver o mistério das meias. Quando chegaram, Asnildo, seu pai, pegou as quinze e as guardou numa gaveta às outras.

Mais tarde, era 00h55. Todos já tinham se recolhido. Venhambi estava deitado, pensando nos eventos estranhos dos últimos dias. Na escuridão do quarto, ele fitava o teto e o corpo estava envolto pelo edredom. No teto, tinha a inscrição de seu nome num barco pendurado por um fio de nylon, balançando levemente. Ele observou seu nome, e começou a pensar nos nomes do restante de sua família. Eram realmente diferentes do comumente. De repente ele se atentou para o início de cada nome: Meireles, Asnildo, Amalado, Diçoma, Adaslia e Venhambi. E viu que formava uma frase: MEIAS AMALDIÇOADAS, VENHAM!

– Céus! Eu e minha família que estamos atraindo essas meias!

No dia seguinte, todos correram para o cartório da cidade para trocarem seus nomes.

Este conto foi escrito originalmente em 2004 e publicado em 2018 na antologia Sonhos Literários.

© 2025. Escritor Guilherme Maia. Contato: (11) 94285-4376

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