
A VELHINHA INDEFESA
Na noite fria e nebulosa que fazia, surgiu um homem mascarado, vestido num sobretudo preto que ia do pescoço aos pés, e tinha um capuz largo, porém rígido na ponta, o que formava um triângulo perfeito.
Ele se escondia por entre os postes de luz e pelas árvores espalhadas nas calçadas, procurava ter o máximo de cuidado, caso contrário, a senhora que perseguia o pegaria no flagra e soltaria um grito estridente, que acordaria todo o bairro.
O mascarado viu uma oportunidade de avançar mais um pouco, e depois de uns segundos a velhinha parou e olhou para trás, mas já havia dado tempo de o mascarado meter-se atrás de uma Kombi.
A noite estava muito fria, a névoa esbranquiçada era tensa, na rua não havia ninguém, exceto os dois num jogo perigoso de gato e rato.A velhinha olhou por mais um momento ao redor, ajeitou os óculos e prosseguiu seu caminho a passos rápidos, carregando sua sacolinha. Era uma faxineira e voltava do trabalho; todas as noites, beirando as 23 horas, passava por ali; como a região era basicamente comercial, o período noturno se tornava deserto e sombrio, mas não havia outro trajeto que pudesse fazer. O mascarado a acompanhara por muitos dias, notando que ela traçava o mesmo caminho todas as noites naquele mesmo horário.
E já tinha notado também que na casa da velhinha não morava mais ninguém além dela. Esperaria a pobrezinha alcançar o portão, abri-lo, e depois avançaria, taparia sua boca com um pano até que ela desmaiasse. Se meteria no interior da casa; deixaria a anciã amarrada numa cadeira, amordaçada; faria uma limpeza generosa em cada cômodo e sairia dali. Foram muitos dias analisando cada detalhe e planejando este momento. Nada podia dar errado. Andou por mais uns metros e se escondeu, andou e se escondeu, e assim foram sucessivas vezes até que a senhora alcançou o portão.
O mascarado ficou atento na mão dela. Ela segurou a maçaneta e começou a girar. Seria sua noite histórica, ele finalmente compraria todas as drogas que quisesse na venda dos móveis para uso próprio e revenda para a gang instalada no Estado vizinho, além de conseguir quitar a dívida com seu chefe. Tua vida daria um salto. Ali não havia uma senhora trabalhadora e indefesa, mas uma oportunidade de pôr sua vida nos eixos.
Ela girou mais a maçaneta, ele olhava atento, mordendo os lábios, como um leopardo analisa sua presa antes de dar o bote. A mão flácida da senhora foi girando, girando, girando, até que enfim abriu o portão. Foi nesse instante que o mascarado avançou com toda a agilidade que já teve em toda a sua vida, alcançou a velhinha e, sem falar qualquer coisa, meteu um pano cheio de álcool em sua boca. Mas a indefesa senhora virou-se para ele, segurou seus braços com uma força voraz inacreditável e com uma voz grossa horrorosa disse, enquanto o algemava:
– Você está preso!
Antes que o mascarado pudesse digerir este episódio macabro, veio de dentro da casa uma senhora frágil e indefesa, esbanjando gargalhada.
– Você achou que eu não o havia notado todos estes dias, não é mesmo? – ela gargalhou com mais vontade. – Boa estadia para você.
A velha que algemou o mascarado tirou a peruca e a sua própria máscara cheia de rugas, e revelou ser um comandante da polícia, que inclusive o mascarado bem conhecia.
– Vamos embora, você já me deu muito trabalho por hoje.
O policial levou-o algemado e a velhinha repousou sua cabeça no travesseiro, tranquila e segura.
Publicado em 23/01/2020, às 00:14.